quarta-feira, 7 de julho de 2021

O menino e o caixote. Mário Henrique Leiria



- Não pode ser-disse o senhor Sousa ao filho, o Ernestinho de oito anos. 
– Mas, papá, eu vejo nos filmes. Todos têm – afirmou a criança, à procura de uma salvação para aquilo que lhe parecia um desejo certo. 
– Onde é que já se viu um leão em casa? Só nessasfitas idiotas. E, alem disso, o me ino não vê que não há espaço?  Para a sema na arranjo-lhe um gato bonito, daqueles que bebem leitinho e fazem miau.
 O Ernestinho desistiu de convencer o pai. Para quê? Era um homem com bigode, sempre a explicar o que não era preciso. Nem sequer percebia de leões. Sentou-se no chão a pensar. Com certeza que devia haver um leão ali em casa. Aquilo não era a vassoura atrás da porta, nem a cadeira larga da mãe dormir aos domingos, nem sequer o embrulho do lixo à espera de ser deitado fora. Foi investigar, toda a gente sabe que os leões estão onde menos se espera. 
Na cozinha, lá ao fundo. estava o caixote vazio que trouxera as compras da Cooperativa. O Ernestinho pousou-lhe a mão, acariciou-o com ternura e um certo receio. O caixote rugiu e sacudiu a areia amarela e antiga que lhe aquecia a juba. O menino puxou-o ao de leve, como quem ensina e acompanha, e o caixote seguiu-o. pisando firme. O Ernestinho sentou-se no chão da sala. Entre o sofá e a mesinha da televisão o caixote ficava mesmo bem, confortável, como na caverna onde nascera e dera o primeiro rugido. 
– Agora vamos caçar, Baluba – explicou o Ernestinho ao caixote.
 – Que faz o menino aí com esse caixote? – perguntou severamente o senhor Sousa, abrindo a porta, de sobrolho franzido. 
O menino olhou para o pai, assustado, e depois para o seu amigo Baluba. 
– Mata o velho, Baluba! – gritou, num desespero. 
O leão saltou veloz e, com uma única dentada eficaz, arrancou a cabeça do senhor Sousa.

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