sexta-feira, 9 de julho de 2021

Manhã de banho de mar . Tove Jansson



Era uma manhã na qual fazia bastante calor desde cedo. Havia chovido durante a noite. A montanha nua exalava vapores, o musgo e as fendas afogavam-se na umidade do ar e todas as cores estavam mais vivas. 
  Logo abaixo da varanda, a vegetação era uma floresta tropical, ainda envolta pela sombra matinal, folhas e flores densas e malvadas, então ela tinha que tomar o cuidado de pisoteá-las enquanto continuava sua procura, tapando a boca com a mão e o tempo todo com medo de perder o equilíbrio. 
— O que é que a senhora está fazendo? – perguntou a pequena Sophia.
 — Nada — a avó respondeu — Bem, estou procurando a minha dentadura — ela acrescentou, zangada. 
A menina desceu da varanda e então perguntou sem rodeios: 
— Onde foi que a senhora perdeu a dentadura? 
— Por aqui. Eu estava parada bem aqui e ela caiu no meio das peônias — a avó respondeu. 
Então as duas continuaram procurando. 
— Deixa que eu procuro, vovó. 

A senhora mal consegue ficar em pé. 
Volta pra lá! — disse Sophia. Então, ela entrou debaixo da cobertura florida do jardim e engatinhou entre os troncos verdes, ali embaixo era um lugar bonito, mas também proibido, a terra tenra e preta sobre a qual a dentadura jazia, branca e pura, todo um bocado de dentes velhos. 
— Vó, eu achei a dentadura! — gritou a menina, e então se ergueu — Coloca, vovó! 
— Está bem, mas olha para lá, isso aqui é uma coisa muito íntima — a avó retrucou. 
Sophia escondeu a dentadura às suas costas e disse: 
— Mas eu quero ver! 
Então, a avó dela pegou a dentadura e a colocou de uma só vez, sem qualquer dificuldade. De fato, não tinha nada demais naquilo. 
— Quando é que a senhora vai morrer, vovó? — a menina perguntou. — Logo logo. Não que isso seja da tua conta... — a avó respondeu. — E por que isso não é da minha conta? — a netinha voltou a perguntar.
 A avó preferiu não responder. 
Em vez disso, ela foi até a montanha e depois prosseguiu na direção do barranco. 
— Mas isso é proibido! — Sophia gritou. 
— Eu sei — respondeu a velhinha, dando de ombros — Nem você nem eu podemos ir até o barranco, mas a gente vai até lá mesmo assim, de qualquer forma o teu pai está dormindo e não tem ideia do que estamos fazendo. 
Elas então subiram a montanha, cujo musgo estava escorregadio, pois o sol conseguira subir um bom trecho, e agora tudo exalava vapor, a ilha inteira estava coberta de neblina e era uma beleza só.
 — Por acaso estão cavando um buraco? — a menina perguntou, de bom humor. 
— Estão sim. Um buraco enorme! — a avó respondeu, antes de acrescentar com um ar maroto
 — Tão grande que todos nós cabemos lá dentro. 
— E por que estão fazendo isso? — a menina perguntou. 

Elas continuaram caminhando na direção do promontório.
 — Nunca tinha vindo tão longe assim — disse Sophia — A senhora já tinha vindo até aqui? 
Então elas seguiram andando até o promontório, onde a montanha descia em socalcos cada vez mais sombrios, cada degrau em direção à escuridão debruado com uma franja verde-clara de algas que balançavam ao sabor das ondas.
 — Quero tomar banho de mar — a menina disse. 
Ela contava com alguma resistência, o que acabou não acontecendo. Então, ela tirou a roupa, lentamente mas um pouco desinquieta. Não se pode confiar em alguém que simplesmente deixa que tudo aconteça. Por fim, ela enfiou os pés na água e exclamou: 
— Nossa, a água está bem fria! 
— É claro que ela está fria. O que é que você esperava? — retrucou a velhinha, com o pensamento já noutro lugar. 
A menina afundou o corpo na água até a cintura e ficou aguardando, eletrizada.
 — Nade! — exclamou a avó — Você sabe nadar, não sabe? 
“A água é bem funda aqui. Ela esqueceu que até hoje só nadei em águas profundas na companhia de algum adulto”, Sophia pensou. 
Por isso, ela saiu da água e foi se sentar numa pedra, dizendo: 
— É, parece mesmo que vai fazer bom tempo hoje. 
O sol estava ainda mais alto no firmamento. A ilha inteira resplandecia, o mar e o ar estava bem mais leves.
 — Eu sei mergulhar — disse Sophia — A senhora sabe como é que a gente mergulha? 
— Claro que sei! — a avó retrucou — É só respirar fundo, tomar impulso e então mergulhar! A gente sente as algas em volta das pernas, elas são marrons e a água tem bolhas de ar e é límpida, ainda mais perto da superfície. A gente desliza dentro da água, prende a respiração e desliza, depois se vira e sobe, se deixando suber até à tona. Então, a gente solta o ar e flutua, simplesmente flutua.
 — E tudo isso com os olhos sempre abertos — completou Sophia. — Claro! Quem é que mergulha de olhos fechados? 
— A senhora acredita que eu sei mergulhar sem que eu precise provar que sei? — a menina perguntou. 
— Sim, acredito — a avó respondeu — Agora se vista, vamos voltar para casa antes que o teu pai acorde. 
A primeira onda de cansaço se aproximou.
 “Quando chegarmos em casa — a avó pensou — quando estivermos outra vez dentro de casa, acho que vou tirar uma soneca. Ah... e tenho que lembrar de dizer ao pai dela que a menina ainda tem medo de nadar em águas profundas”

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